domingo, outubro 26, 2014

Tampa


Autor: Alissa Nutting
Género:
Romance
Idioma: Português

Páginas: 286
Editora:
Divina Comédia

Ano:
2013
ISBN: 978-989-8633330
Título original: Tampa
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Celeste Price tem 26 anos e o seu emprego de sonho: professora de Inglês do ensino secundário. Apesar de ser invulgarmente atraente e ter o conforto financeiro que o seu casamento com um tipo endinheirado lhe confere, Celeste só se sente bem no liceu, rodeada de rapazes de 14 anos, por quem tem uma secreta obsessão sexual.

Sob todo o aprumo e educação, Celeste é uma predadora. Quando decide seduzir Jack, o jovem sente-se nas nuvens, mas não tarda a afundar-se; à medida que a novidade esmorece e o corpo do rapaz começa a ganhar contornos de adulto, Celeste começa a perscrutar as turmas em busca de uma próxima conquista.

A primeira coisa que me chamou a atenção foi a capa, que é genial! Os olhares de curiosidade nos transportes públicos são a prova de que uma imagem vale mesmo mais que palavras...

O livro ser contado do ponto de vista de Celeste é interessante. Sempre achei perturbante ler ou ver algo que tivesse a ver com pedofilia, mas a pedofilia no feminino é um tema pouco debatido e achei que vindo de uma autora que é professora de escrita criativa, teria a rara oportunidade de ler uma história complexa e perceber o que poderá passar-se na mente de uma pedófila.

A autora escolheu aprofundar outros aspectos e o que temos é uma história narrada em tom ligeiro, com linguagem gráfica e muitas descrições sexuais, ao ponto de o livro - espremido - ser apenas isso. De Celeste apenas percebemos que é loura, depravada e de um calculismo atroz. Tudo o que faz e diz é pensado para atingir a satisfação sexual, não restando mais nada.

A autora explora pouco a psique da condição e trata a doença de Celeste como se fosse uma obsessão por álcool ou drogas, estando mais preocupada com o aspecto sensacionalista. As personagens são uni-dimensionais e quando existem situações de elevada carga emocional, a autora limita-se a descrever o «silêncio atónito» e os «olhares incrédulos», descrições pobres perante a magnitude do que se está a passar. A protagonista é uma sociopata e adepta de hebefilia (não uma pedófila); a sua total falta de empatia é assustadora e os capítulos finais, apesar de superficiais, resumem bem a sua vida patética.

Confesso que estive, por duas vezes, para pôr o livro de lado. Com tantos livros bons à espera, não preciso de andar a fazer fretes, mas a curiosidade levou-me a melhor; estive à espera de uma história que não aconteceu.

Fica a certeza que o tema foi tratado de forma trivial e um pretexto para cenas-choque. Não duvido que o livro seja falado e publicitado, mas num par de meses ninguém mais vai se lembrar dele.

**
(fraco)

domingo, outubro 12, 2014

Sempre o diabo


Autor: Donald Ray Pollock
Género:
Literatura
Idioma: Português

Páginas: 312
Editora:
Quetzal

Ano:
2014
ISBN: 978-989-7221545
Título original: The devil all the time
Tradução: Maria do Carmo Figueira
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Estamos na América rural, bem a sul, onde se mede a decência das pessoas pela frequência com que frequentam a igreja e pelo cuidado com que mantêm as aparências. 

Willard Russell é um veterano atormentado pela carnificina da guerra, que vive para a mulher, educando o filho Arvin com dureza e pouco afecto. Carl e Sandy são um casal de assassinos em série, cuja ideia de umas férias bem passadas é dar boleia a rapazes  bem-parecidos antes de os matar, fotografando-os na sua agonia. Lee é um polícia sujo, a quem todos olham com desprezo mas sem desafio. Roy é um pregador que come aranhas para provar a sua fé, enquanto o primo deficiente o mira com olhares pouco religiosos.

Sempre o Diabo é um livro sujo, com personagens reprováveis e uma cena violenta a cada duas páginas. Adorei-o. A acção é passada na América pós-guerra até à explosão do flower power e da guerra do Vietname, providenciando às acções das personagens um cenário ainda mais miserável.

Donald Ray Pollock consegue, de uma forma notável, retratar a violência omnipresente sem ser gratuitamente e dar uma humanidade tal às personagens que as torna magnéticas. A resignação, o desespero e até a ingenuidade malévola se tornam compreensíveis, e ao lermos os pedaços de vida patéticos destes trastes/insanos/inadaptados, do mais mal-intencionado ao mais pueril, é impossível não sentir neles a crueldade da vida, a forma como a escuridão pode povoar a alma humana e envenená-la.

Um livro brutal, em todos os sentidos (ler excerto), que recomendo muito.

*****
(muito bom)