quarta-feira, maio 18, 2011

Justine ou Os Infortúnios da virtude

Autor: Marquês de Sade
Género: Literatura Erótica
Idioma: Português
Editora: Antígona
Páginas: 354
Preço: € 10
ISBN:  978-9-72-608127-2

Título original:
Justine ou las infortunes de la vertu

Tradução: Manuel João Gomes




Avaliação: **** (bom)


O Marquês de Sade (1740-1814) tem associado ao seu nome um rótulo de libertinagem e devassidão, ao que contribuíram os relatos de espancamento e tortura dos seus numerosos amantes, tanto homens como mulheres. O nobre Donatien-Alphonse escreveu esta história em 15 dias, num verão de 1787, numa temporada na prisão.

O livro começa por nos apresentar às duas figuras principais do livro, as irmãs Juliette e Justine, órfãs de mãe e deixadas pelo pai ao deus-dará depois de um escândalo financeiro. O século é o 18 e estamos na França – não há assistência social, famílias de acolhimento nem subsídios; é cada um por si.

Forçadas a abandonar o abrigo do convento, onde recebiam formação escolar, as raparigas acabam por ser ajudadas por Madame de Buisson, feliz proprietária de um bordel, que deixa bem claro que as raparigas terão de dar o corpo ao manifesto para pagar alojamento e alimentação.

A mais velha, Juliette, aceita, até porque as suas perspectivas de casar são nulas e mendigar pelas ruas não é uma opção; acabará por enriquecer às custas das suas habilidades na alcova.

Já Justine, a nossa protagonista, católica fervorosa, encara a proposta com indignação, jamais encarando a possibilidade de ver a sua virtude manchada. Com meia dúzia de tostões no bolso, faz-se à estrada, convencida de que o seu temperamento honrado lhe abrirá as portas de acesso a um trabalho digno.

«A virtude que tanto alardeais não serve para nada deste mundo e por muito que a exibais ninguém vos dará um copo de água por ela.»

É esta frase que a rapariga ouve da boca do primeiro homem a cuja porta vai bater. E as respostas que seguintes não são muito distintas. Para cúmulo, só lhe aparecem sodomitas e sádicos pela frente, que lhe propõem sempre actos abjectos.

O livro é divertido porque Justine, apesar de bem falante e bem-intencionada, é uma otária e sai de uma para se meter logo em outra ainda pior. Mais: não hesita em desfiar o seu rol de desgraças a quem encontra pela frente, e depois lamenta-se do mundo cão onde veio parar, mas nunca parece aprender.

Ao longo das mais de trezentas páginas, a jovem é sujeita às mais cruéis degradações. Mesmo com fome, não rouba um pão; prefere ganhá-lo dissertando sobre o mal do mundo e o serviço a Deus. O resultado salda-se sempre em sovas.

Longe de ser um livro cruel, é uma lição de moral, num jeito metafórico bem diferente das fábulas de Ésopo e La Fontaine, onde não faltam umas frases na mouche – Sade era, acima de tudo, um homem inteligente com uma grande visão social.

Era também um ateu ferrenho com um enorme desprezo pela Igreja como instituição; era contra todas as regras éticas e morais e defendia que o príncipio maior a defender era o prazer, em função do qual o Homem devia viver e condicionar as suas acções. Um filme que o retratou bem foi o excelente quills - as penas do desejo.

Quanto ao livro, é uma leitura diferente que vale a pena.

2 comentários:

Rafeiro Perfumado disse...

Com o lema "se queres sobreviver usa o corpo, não a alma". ;)

barroca disse...

A pobre Justine até com nódoas negras na alma ficou. ^^