26 de novembro de 2010

Outros mundos

Autor:  Barbara Michaels
Género: Fantástico
Idioma: Português
Editora: Planeta Editora
Páginas: 270
Preço: € 12,60 (requisitado da biblioteca municipal)
ISBN:  978-9-73-11064

Avaliação: * (a evitar)

 
Numa escura, húmida, noite de nevoeiro, um pequeno grupo de intelectuais reúne-se num clube masculino exclusivo. Chegam envoltos nos seus abafos dispendiosos, com o pretensiosismo de quem sabe mais que a maioria.

Deste grupo,
que se junta periodicamente para discutir acontecimentos paranormais, fazem parte o famoso ilusionista Houdini e o afamado Sir Arthur Conan Doyle (criador do celebérrimo Sherlock Holmes). 

Outros Mundos relata uma dessas reuniões. Num serão frente à lareira, com uma bebida aconchegante no colo, os intelectuais analisam dois episódios distintos: ‘A Bruxa de Bell’ e ‘O Caso Phelps’. O primeiro é a história de um poltergeist que assombra uma família do sudeste americano; o segundo envolve uma família católica a braços com um espírito violento. Depois dos relatos, os membros do clube (todos eles interessados e/ou estudiosos do sobrenatural) discutem e determinam se as assombrações são verdadeiras ou falsas.

Quando li a sinopse, achei que o livro tinha os predicados ideais para uma leitura nocturna inquietante, mas cedo a prometida história de fantasmas se transformou num desencantado virar de páginas.

A forma como se desenrola a acção é extremamente desinspirada. Enquanto lia as análises dos fenómenos feitas pelos membros do "selecto" clube, mais anedótica a história se tornava. Sei que Conan Doyle foi adepto do espiritismo e frequentador assíduo de sessões espíritas - chegou a ser Presidente da Aliança Espírita de Londres -, por isso quando li as passagens em que intervém, espantou-me a falta de lógica. O livro é uma má piada do princípio ao fim, com diálogos secos, chatos, pouco credíveis. Admirou-me ainda que
Barbara Michaels escrevesse algo assim; é uma autora consagrada e muito experiente, que assina outro género de livros como Barbara Metz e Elizabeth Peters (não ficção e históricos, respectivamente), todos com imenso sucesso.

O saldo total é um enorme bocejo. Obriguei-me a ler o livro até ao final, talvez à espera de uma reviravolta que não chegou a acontecer. Este livro, bom? Talvez noutro mundo.

21 de novembro de 2010

Jack, o Estripador - retrato de um assassino

Autor:  Patricia Cornwell
Género: Não Ficção
Idioma: Português
Editora: Editorial Presença
Páginas: 356
Preço: € 17,65
ISBN:  978-9-72-233121-0

Avaliação: *** (mediano)

Jack, o Estripador é uma figura incontornável, alvo de inúmeros livros, filmes e videojogos; grande parte do fascínio que exerce prende-se largamente com o mistério que envolve a sua verdadeira identidade. 


Os suspeitos daquele que pode ter sido o assassino de Whitechapel são mais do que muitos, reduzidos a uma lista oficial de 30 indivíduos (lista detalhada aqui), entre os quais se contam o Príncipe Alberto e o escritor Lewis Carroll, autor de Alice no País das Maravilhas. Há inúmeras teorias, algumas com nomes sonantes como os referidos e uns poucos com pessoas anónimas que, ao terem o seu passado esmiuçado, encaixam-se numa ou outra circunstância oportuna para serem incriminados, ficando assim na memória colectiva. Escritores, detectives, médicos, cineastas, muitos foram aqueles que apresentaram a sua versão dos crimes perpetrados na era vitoriana; a escritora Patricia Cornwell decide revelar-nos a sua teoria neste livro.

Cornwell é uma consagrada autora de policiais, melhor conhecida pela sua personagem Kay Scarpetta, uma investigadora forense que deslinda crimes através de autópsias e análises clínicas meticulosas com recurso à tecnologia - uma espécie de Dr.ª Temperance Brennan, da série televisiva Ossos.

Não sendo de ficção, este livro encontra-se entre os títulos policiais, junto aos outros livros da escritora; a sinopse prometia o nome verdadeiro de Jack, com todas as provas reunidas pela autora exploradas minuciosamente. Como o tema me interessa e já tinha lido (e até jogado em PC) títulos do género, não hesitei em ler.


A primeira metade do livro é quase impossível de pousar, com um ritmo ficcional viciante. Cornwell crê piamente que Jack, O Estripador foi o respeitado pintor britânico Walter Richard Sickert e recorre a correspondência diversa, obras artísticas e testemunhos de familiares e amigos para construir e fundamentar a sua teoria.

Escrito 114 anos depois dos acontecimentos que mergulharam Whitechapel num clima de terror, Jack, O Estripador – retrato de um assassino tem como base um conjunto de provas circunstanciais reunidas pela autora que, juntas e enquadradas, não provam nada.
Creio que Cornwell teve uma atitude ousada (onde por vezes se descortina alguma arrogância e prepotência) ao apontar o pintor como o sangrento Jack, em grande parte porque não é capaz de apresentar uma prova irrefutável do que afirma (o que também será quase impossível). O seu retrato psicológico d'O Estripador recorre às técnicas actuais e baseia-se numa visão apurada do modo de vida, de actuar e pensar da Londres do final do século 19.

Cornwell mistura opiniões pessoais com apreciações pouco isentas. O livro é uma compilação de conjecturas de acções que Sickert poderia ter praticado, da forma como encarava as mulheres e até da sua eventual impotência. Uma das alegações é a de que Walter R. Sickert - que privou com Óscar Wilde, que foi pupilo de Whistler e que é considerado um dos mestres pintores do século 19 - tem quadros repletos de violência e muitos deles representam cenas ligadas aos crimes; tal tem uma explicação plausível: o artista vivia obcecado com os crimes d'O Estripador e transmitiu esse fascínio para a sua pintura. Não é inédito no mundo das artes.

Fiz alguma pesquisa  na net e está registado de forma rigorosa que Sickert tinha comportamentos e um temperamento que denotavam uma tendência para a sociopatia, mas daí a ser dado como certo de que foi o impiedoso e calculista Jack
parece-me ir uma grande diferença. Por mais que Cornwell se agarre a uma análise de ADN de Sickert que, na melhor das hipóteses, é «um indicador minimamente razoável» de que ele e Jack poderiam ser a mesma pessoa, afirmá-lo peremptoriamente é calunioso.

De positivo temos o facto do livro estar bem escrito e ser notório o extenso trabalho de pesquisa de Cornwell, embora isso não torne o seu conteúdo menos especulativo. As descrições extremamente realistas das ruas escuras de Whitechapel, da vida madrasta das prostitutas e indigentes do East End e da falta de condições com que a polícia londrina patrulhava as ruas são arrepiantes; a facilidade com que alguém poderia cometer um crime e nunca ser apanhado – sem impressões digitais, sem sequências de ADN, sem análises de fibras e cabelos, todas usadas no deslindar dos crimes actuais, basta atentar no CSI - é angustiante. Seria fácil para um psicopata inteligente e meticuloso como se revelou Jack, O Estripador ter feito o que fez e nunca ser descoberto.

Quem foi esta figura? Homem, mulher? Quais os seus motivos? Estas e outras perguntas continuam por esclarecer, mas, justiça seja feita, de todos os livros que já li sobre o assunto, este é um dos melhores, juntamente com O Diário de Jack, O Estripador, de Shirley Harrison. No entanto, apenas e só do ponto de vista ficcional, já que rotulá-lo de não ficção é enganar o leitor.

É um livro que interessará aos fãs de policiais e mistérios. Quanto a Cornwell, creio que deve ter mais cautela a aventurar-se fora do registo que a notabilizou.

12 de novembro de 2010

Meu amo e senhor

Autor: Tehmina Durrani
Género: Biografia, Memórias
Idioma: Português
Editora: Edições Asa
Páginas: 320
Preço: € 15
ISBN: 978-9-72-411611-2

Avaliação: ** (fraco) 

Meu Amo e Senhor é o testemunho de Tehmina Durrani sobre parte da sua vida, focando com alguma insistência a sua relação (e casamento) com Mustafa Khar, senhor feudal e político proeminente no Paquistão, que a maltratou de forma continuada.

O livro não se lê muito bem, não só pelo conteúdo pesado – a autora não se coíbe de ser gráfica nas descrições de alguns abusos de que foi vítima por parte do companheiro – mas também pela forma pouco fluída como está escrito.

Tehmina realça o facto de que o livro é um meio de desmascarar a hipocrisia e decadência da elite que governa o Paquistão (o livro é de 1991) e de expôr a natureza violenta do seu marido.


Somos então confrontados com páginas em que a autora recorda episódios espaçados no tempo, num ritmo confuso, ao mesmo tempo que descreve a convivência com o marido; aqui os adjectivos são muito pouco lisonjeiros, com Tehmina a denunciar o adultério do marido com a irmã  e os maus-tratos constantes às mãos do "Leão do Punjabe". E seguem-se mais agressões, maus-tratos, violência, opressão.

Paralelamente, o leitor comum debate-se, enquanto a sua mente ocidental tenta perceber a razão pela qual a autora perdoa e volta sempre para os braços de um marido que não hesita em trancar-se num quarto e desancá-la com o que tiver à mão... às vezes somente porque sim. E desfia o rosário, pondo-nos ao corrente dos seus planos de reconciliação com Mustafa, pois manter as aparências é crucial...

É reconhecível na autora um elitismo tacanho e uma vontade férrea para defender a imagem de membro da classe alta, que nos faz desligar como leitores. A páginas tantas, deixamos de nos importar, porque torna-se irritante e uma perda de tempo. A uma agressão, seguem-se as pazes, depois mais uns tabefes... e o ciclo não varia.


Não posso recomendar este livro nem elogiá-lo, e a sua finalidade permanece indefinida para mim. O que me chocou mais (e já li uma boa dúzia deste género de livros) é que a mensagem resumida salda-se num retrocesso na liberdade feminina, enbandeirado por um fraco modelo de mãe e mulher. Como lição de vida, sabe a muito pouco.


Não recomendo.

3 de novembro de 2010

Drácula, o regresso

Autor: Freda Warrington
Género: Fantástico, Terror
Idioma: Português
Editora: Edições Século XXI
Páginas: 243
Preço: € 14,37
ISBN: 978-97-2829319-2
Avaliação: ***** (muito bom) 

Drácula – O Regresso, no original Dracula the Undead, foi editado exactamente 100 anos após a publicação do clássico mundialmente conhecido de Bram Stoker; Drácula foi o livro que revolucionou a forma como vemos os vampiros e o pioneiro de um género que moveria milhões de autores e leitores a nível mundial.
É inegável e bastante óbvio o fascínio que estas criaturas da noite inspiram no homem médio; prova disso é a consagração de escritores como Anne Rice e actores como Bela Lugosi e Christopher Lee, que deram ao mundo personagens ricas e algo estereotipadas do vampiro, um ser sedutor, bem falante e imortal, que eterniza a beleza e o hedonismo.
«Nunca saberá o que é amar a vida como eu amo – amá-la tão apaixonadamente que estamos preparados até para ludibriar a morte. Amá-la é tão intenso, na verdade, que não podemos morrer – ou permanecermos mortos!» (Conde Drácula)
Depois da obra de Bram Stoker, muitos (milhares) foram os livros que exploram (e continuam a fazê-lo) o filão de ouro que é o vampirismo (ocorre-me o fenómeno mais recente, Crepúsculo). Li muitos deles e exceptuando um punhado de autores, o saldo não é nada bom. Tornou-se um lugar comum retratar os vampiros como criaturas sensuais e sequiosas, sem qualquer resquício de humanidade (passe a ilusória contradição) ou valores, movidos apenas pelo desejo de beber sangue.

E é exactamente nesse ponto que Freda Warrington, a autora de Drácula – O Regresso, evita cair – nem poderia, visto que escrever um livro e apelidá-lo da «sequela da obra de Bram Stoker» é uma responsabilidade titânica que só poderia redundar num sucesso absoluto ou num desolador e mencionadíssimo fiasco.

A própria escritora referiu que foi um desafio que aceitou com entusiasmo mas algum receio. No worries, pois Freda ganhou a batalha. Além de ter alcançado o objectivo (escreveu uma história fiel ao espírito da obra de Stoker), produziu um livro soberbo e ainda foi reconhecida: ganhou o prémio 'Children of the Night 1997' para melhor romance gótico, atribuído pela prestigiada Dracula Society. Mais, ganhou em mim uma fã fidelíssima (embora isso já não a deva entusiasmar tanto). Mas deixemo-nos de entretantos e passemos ao livro em si.

Passaram-se 7 anos desde que uma estaca perfurou o coração do infame e odiado Conde Drácula, 7 anos que não apagaram da memória dos sobreviventes a imagem do vampiro e a magnitude do seu terrífico poder.

Jonathan e Mina Harker têm agora uma criança, Quincey, e vivem em paz, tanto quanto possível. Como catarse, encetam, juntamente com os companheiros de luta (Van Helsing, entre outros), uma viagem à Transilvânia. Não encontram qualquer vestígio da presença de Drácula, embora o seu nome ainda resida no consciente colectivo e seja figura de proa no folclore da região, pelo que a jornada se revela um sucesso. Tudo parece bem. Porém, algures nos confins da terra, a força do espírito do Conde aguarda uma oportunidade de voltar a ser carne e sangue. E esse ensejo acaba por chegar pela delicada mão de um alguém insuspeito.

Drácula volta a erguer-se e a andar entre os incautos vivos. E a sua obsessão amorosa por Mina Harker prossegue como se nada tivesse mudado, assim como permanece intocável o seu ódio por aqueles que o destruíram e que tudo farão para o devolver ao Inferno. Drácula – O Regresso é uma obra extremamente bem escrita, que respeita escrupulosamente toda a atmosfera presente no livro de Stoker e que retoma as personagens sem lhes descurar a essência.

Os diálogos são ricos e todo o fio da acção é credível e inteligente. Há a introdução de novas personagens que surgem perfeitamente enquadradas e adequadas ao enredo. Continua a sentir-se a aura de sensualidade tão característica da literatura vampiresca e a carnalidade é sempre de bom gosto e nunca gratuita.

«Não posso iludir-me! Eu caí porque o horror docemente doloroso não era nada comparado com a suprema agonia do prazer.» (Mina Harker)

É um livro belíssimo que não posso deixar de recomendar. Claro que sou suspeita: um dos meus filmes favoritos é a adaptação do clássico por Francis Ford Coppola e o romance de Bram Stoker é uma obra-prima a que não sou indiferente, mas creio que mesmo para o leitor comum, este será um livro a registar e a ter em atenção. Pessoalmente, senti-me arrebatada. Quem nunca se questionou sobre a imortalidade, seja do amor, da alma ou da vida?

«Toda a minha vontade de viver estava contida em ti, no teu sangue, carne e alma. E tu rejeitaste-me. És uma amante mais cruel do que eu alguma vez fui! Dado que um de nós deve morrer, que a sobrevivente sejas tu. Por muito que eu tenha amado a minha existência, amo ainda mais a tua.» (Conde Drácula)