sexta-feira, abril 22, 2022

The toll


Autor: Kealan Patrick Burke
Género: Terror
Idioma: Inglês
Páginas: 16
Editora: Cemetey Dance (Kindle)
 Ano: 2012

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Kealan Patrick Burke é um autor de terror do qual fiquei fã na primeira leitura. Dele, destaco Kin e Sour candy.

Na sua biografia, indica que escreveu mais de uma centena de contos de terror - um dos quais estará a ser adaptado ao cinema. Eu estou a anos-luz de os ter lido a todos, mas, até agora, não há um de que não tenha gostado.

Em The toll, o narrador é Miles Camden, um milionário que, numa noite de halloween, acorda num caixão, vários metros abaixo da terra. Perto dele, está um sino que lhe permitiria alertar aqueles que, mais acima, o poderiam socorrer. 

Mas a Miles Camden não ocorre tocar o sino imediatamente. Ao invés, prefere conjecturar sobre quem o terá enterrado vivo, o porquê de o ter feito, e qual será o preço a pagar. Isso leva-o a reflectir nas suas escolhas ao longo da vida, e que culminaram numa existência abastada e solitária.

O protagonista de The toll é um homem ambicioso que fez fortuna sendo implacável. Não nos esconde quem é, e a sua reacção inicial quando acorda num caixão é de admirar a criatividade de quem o fez, o que torna a leitura deste conto muito mais interessante.

Vencedor e várias vezes nomeado para os Bram Stoker Awards,
Kealan Patrick Burke é uma voz muito talentosa dentro do género, com um sentido de humor dark (que aprecio bastante!) que vale a pena descobrir.

*****
(muito bom)

domingo, abril 10, 2022

People like them

  

Autor: Samira Sedira
Género: Contemporâneo
Idioma: Inglês
Páginas: 192
Editora: Raven books
 Ano: 2021

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Samira Sedira nasceu na Algéria; ainda muito nova, mudou-se com a família para França.

Foi lá que cresceu, estudou e se tornou actriz. A sua biografia menciona um período em que se tornou empregada de limpeza para compensar a falta de trabalho na sua área, uma experiência que explorou em alguns dos seus livros.  

A trama de People like them, uma tradução literal do título original em francês - Des gens comme eux -, é baseada num crime real que ocorreu na região da Alta Sabóia em 2003, onde um homem assassinou uma família de cinco pessoas.  

Numa vila isolada nas montanhas, onde toda a gente se conhece, há sururu quando uma nova família chega. O casal recém-chegado desperta curiosidade pela riqueza ostentada e pelas maneiras cosmopolitas, num claro contraste com o modo de vida dos restantes habitantes. Forjam-se amizades e simpatias, mais ou menos sólidas.

Com o avançar da história, têm lugar situações movidas a inveja, vergonha e complexos de inferioridade, que aumentam a tensão e as relações entre vizinhos. A autora explora habilmente os temas do racismo, das fracturas sociais e da amizade, enquadrados e descritos de uma forma perspicaz. A tensão é muito bem trabalhada, numa gradação segura que nos mostra a versão de Samira Sedira de como uma pessoa vista como "normal" se poderá tornar numa assassina

Há luz e leveza nas cenas que ilustram situações de celebração e comunhão, e há sombra e inquietude nas cenas onde há desapego e um desprezo crescente entre as personagens principais; tudo doseado com mestria pela autora.

«Criminals – even murderers – serve as mirror images; they reflect our own fallibility. Viewing them as monstrous aberrations prevents us from understanding human nature. There’s no such thing as monsters. Only humans.»

Recomendadíssimo, People like them venceu a edição de 2021 do Prix Eugéne Dabit, e é o primeiro romance de Samira Sedira a ser traduzido para a língua inglesa.

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(muito bom)

domingo, abril 03, 2022

What really happened in Wuhan

 

Autor: Sharri Markson
Género: Política

Idioma: Inglês
Duração: 16h e 28m

Editora: Harper Audio
 Ano: 2021

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À data deste texto, vivemos ainda sob o efeito da pandemia causada por um vírus que ceifou milhões de vidas e alterou milhares de milhões de outras, causando um abrandamento mundial.

Desde Março de 2020, altura em que foram adoptadas as primeiras medidas sanitárias no continente europeu, vivemos confinamentos e recolheres obrigatórios, tornando-se habitual o uso continuado de máscaras e debates acesos sobre a eficácia/obrigatoriedade/efeitos da vacinação e dos passes vacinais. Da China, ainda chegam notícias de novas infeccções, de uma nova variante (demicron) e novos confinamentos. As notícias ainda existem, mas a tragédia que se abateu sobre a Ucrânia abre agora, com toda a legitimidade, os telejornais.

Sharri Markson, a autora de What really happened in Wuhan, é uma jornalista australiana premiada. Neste livro, defende a teoria de que o vírus do covid-19 terá sido geneticamente criado pelo Instituto de Virologia de Wuhan e libertado no mundo após uma fuga acidental («lab-leak theory»), contrariando a teoria de que a origem terá sido natural, com origem num mercado local de animais (semelhante à hipótese de 2000, aquando da epidemia de SARS, entre 2002 e 2004). 
 
É um tema polarizador, sem dúvida, e a teoria da fuga do laboratório chinês contém nuances que fazem as delícias dos críticos mais vocais, que a classificam como uma elaborada "teoria da conspiração". Quem pega neste livro estará desde já aberto a ouvir os argumentos que fundamentam esta hipótese. A sua robustez é subjectiva, o que não equivale a dizer que quem lê este livro, vai ficar convencido. Mas alguns ficarão. É assim que funciona.

Misturando factos (há um departamento no Instituto de Virologia de Wuhan que estuda e manipula coronavírus; foi publicado em 2018 um estudo norte-americano que denunciava incumprimentos dos protocolos de segurança, e alertava para deficiências na segurança ligadas a alegadas faltas de pessoal técnico especializado nesse mesmo instituto), testemunhos directos (citações de cientistas, políticos, investigadores, cidadãos comuns nos media e em relatórios entretantos publicados) e indirectos (fontes jornalísticas e denunciantes, cuja identidade é protegida), em What really happened in Wuhan, a autora constrói uma cronologia minuciosa, atravessando vários continentes e envolvendo diferentes actores.

Vai sendo traçada uma cadeia de eventos que envolve alegadas ocultações de informação, pressões políticas e interesses económicos, onde diversos agentes governamentais chineses e norte-americanos (assim como os seus colaboradores espalhados pelo mundo) têm os papéis principais. Tudo "atado" e referenciado como está, este livro lê-se quase como um thriller, ao que ajuda ter tanto de plausível como de fantástico.
 
É possível que um cientista do Instituto se tenha esquecido de um passo no protocolo de segurança? 
 
É possível que as autoridades chinesas tenham tentado encobrir a gravidade da situação, aquando da escalada do número de casos, no final de 2019? Por que é que essas mesmas autoridades terão levado meses a permitir o acesso a uma equipa de peritos da Organização Mundial de Saúde ao mercado de animais de Wuhan e ao Instituto de Virologia?
 
É plausível que vários cientistas internacionais tenham hesitado em aprofundar e/ou defender uma teoria que implicaria a perda de fundos chineses para as suas pesquisas? Por quê o ataque aos cientistas que o fizeram, quando a base de qualquer método científico passa por questionar, formular hipóteses e testá-las através da discussão e da aplicação desse mesmo método?

Não hesitaria em ler um livro que defendesse a teoria oposta, a de que o vírus terá sido transmitido por um animal (morcego ou pangolim) a uma pessoa, no mercado de Wuhan. Teria de ser um livro com uma linguagem acessível a leigos, pois a sustentação dessa hipótese é maioritariamente baseada em factos estudados na biologia, zoologia, virologia, e epidemiologia, entre outras.
 
O título deste livro é directo mas poderá ser visto como sensacionalista (marketing?), afastando potenciais leitores que privilegiem uma abordagem mais neutra.

À semelhança de outros títulos de não-ficção, esta versão audiolivro poderia ter beneficiado de um (PDF) anexo com mapas, glossários e/ou indíces bibliográficos, o que teria facilitado a escuta.
 
What really happened in Wuhan é um livro bem escrito e bem organizado, denso em informação e cross-references. A classificação de "bom" não se prende tanto com a minha inclinação em aceitar a teoria da lab-leak mas pela forma consistente como a teoria é construída, assente numa cronologia extensiva, citando nomes de pessoas vivas, mortas e desaparecidas (estas últimas na China, contando-se vários médicos, advogados e jornalistas); junta-se a isso o facto de, numa pesquisa rápida online, não ter encontrado nenhuma referência a um eventual processo judicial iniciado contra a autora ou a editora deste livro por difamação, algo que não me surpreenderia encontrar. 
 
Nas últimas décadas, a forma como o governo chinês se posiciona no mercado e adopta medidas económicas e sociais dentro das suas fronteiras (e até fora delas), dá azo a que se levantem muitas questões... 
 
No entanto, o próprio livro falha em apresentar vários elementos probatórios, talvez por razões válidas ou não, o que dá azo a especular acerca da veracidade de algumas alegações. Alguma vez se saberá a verdade? Estarão, agora, cientistas a atestar da robustez da hipótese defendida neste livro? Se sim, as suas conclusões alguma vez serão tornadas públicas? O tempo dirá.
 
Se, no final, não ficarmos inclinados a aceitar a teoria defendida, ao menos poderemos dar o tempo por bem empregue se considerarmos a leitura como um thriller ou, por que não?, como tema de conversa entre amigos.

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(bom)