segunda-feira, novembro 25, 2019

The man who mistook his wife for a hat


Autor: Oliver Sacks
Género: Humor
Idioma: Inglês
Páginas: 242
Editora: Picador UK
Ano: 2007

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Ao longo da sua carreira, o neurologista Oliver Sacks deparou-se com muitos casos clínicos tirados do manual e para os quais estariam prescritos diagnósticos certeiros e tratamentos comprovados. Estes muitos casos não perdiam complexidade por serem frequentes mas dificilmente fariam um profissional da área coçar a cabeça em desorientação. 

O que Sacks relata neste livro foram os casos que o fizeram coçar a cabeça em 25 anos de carreira já somados quando o livro foi editado nos anos 80. 

O livro divide-se em quatro partes: a primeira lida com as perdas/défices da função neurológica, decorrentes de acidentes ou velhice (lesões raras que resultavam em associar pessoas a objectos - ver o título do livro - ou a formas abstractas, o fenómeno de "membros fantasma", a cegueira selectiva e perdas de memória extremas associadas ao álcool e à má nutrição); na segunda parte fala-se de excessos como o síndrome de Taurette (caracterizado por tiques físicos e vocais - um síndrome explorado em alguns filmes de comédia) - e de neurossífilis, que causa alterações na personalidade; a terceira parte relata os estados de "transporte", ditos oníricos e ausências, manifestados em alucinações e numa hiper-memória; e a quarta parte fala do «mundo dos simples», i.e., autistas e deficientes intelectuais.
 

Numa vasta galeria de personagens, destaca-se a forma carinhosa como o neurologista encara os seus pacientes, numa mistura de fascínio e curiosidade, mas também respeito. O autor, falecido em 2015, exerceu em vários hospitais de renome dos EUA e do Reino Unido, mas também em sanatórios, tendo visto pacientes de todas as idades e estratos sociais.

A linguagem do livro é técnica q.b., acessível ao leitor médio. Há várias menções a estudos de outros profissionais da neurologia e a devida reverência aos médicos que primeiramente identificaram as condições narradas (A. Luria, Purdon Martin, Tourette). 

Sacks confessa em várias pequenas notas que o cérebro humano, com os seus 60% de gordura e triliões de conexões neurais, é realmente fascinante, e que nem os profissionais da área conseguem desvendar muitos dos seus segredos. Graças a eles e ao seu extenso trabalho, vemos alguns deles desvelados.
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(bom)

segunda-feira, novembro 11, 2019

Circe


Autor: Madeline Miller
Género: Romance
Idioma: Inglês
Páginas: 333
Editora: Bloomsbury Publishing
Ano: 2019

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Sou fã de mitologia grega desde miúda, por isso Circe não tinha de ser especialmente apelativo para me prender a atenção - o suficiente para comprar o livro sem grande ponderação.

Mas fê-lo desde a primeira página e continuou a fazê-lo até ao fim; a escrita elegante e fluida, rica em descrições, fez-me virar página após página, seduzida pela voz de Circe, mulher que ficou na História como a semi-deusa feiticeira, amante de Ulisses, que transformava em porcos os homens que ancoravam na sua ilha. Madeline Miller dá-nos outra pessoa, menos demonizada.

Filha do deus Hélios, personificação do Sol, e da ninfa Perseis, a jovem Circe não se integra bem no palácio do pai entre os irmãos e os primos, estando sempre à margem. A sua voz "estranha", parecida às dos mortais, e o desinteresse pelas intrigas palacianas, fazem com que não seja procurada pelos seus pares. A mãe, ausente desde cedo, está mais interessada em manter o seu estatuto de favorita do que em investir tempo na educação da prole.

Assim, Circe cresce habituada a auto-entreter-se e a manter-se longe dos olhares alheios, e do falatório, dos que a rodeiam. Pelos seus olhos, vemos como os deuses podem ser caprichosos e cruéis. Neste aspecto, gostei especialmente das cenas com Prometeus. 

Décadas mais tarde, Circe é exilada para a ilha de Eana, uma gaiola dourada onde é rapidamente esquecida pelos outros deuses. Aqui, torna-se especialista em venenos e drogas, solidificando a figura que ficou para a posteridade e que é associada com Atena, Cila, Medéia, Pasífae, Dédalo. Na ilha, é visitada por Hermes regularmente, e as interações entre os dois são dos capítulos mais interessantes do livro. Em Eana, Circe aprende o que é o amor, a violência, a perda, a saudade, e os seus limites. A autora conta-nos uma história de maturidade e de aceitação que se desenrola ao longo de vários séculos (um luxo exclusivo de deuses e semi-deuses).

A escrita é elegante, com passagens muito bem conseguidas. A voz de Circe é cândida, sincera no relato das suas falhas e das suas lutas. Gostei bastante, acho que Miller escreve muito bem; espero ler o Canto de Aquiles em breve.
 
Adenda 30/03/2023: O livro foi publicado em Portugal pela Minotauro com o título Circe; saiu em Setembro de 2020, depois deste apontamento.

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(bom)
 

sexta-feira, novembro 01, 2019

Siege: Trump under fire


Autor: Michael Wolff
Género: Política
Idioma: Inglês
Páginas: 352
Editora: Henry Holt & Company
Ano: 2019

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«Trump needed to surround himself with the dysfunctional and the inept, because he was dysfunctional and inept.»

Nos últimos dias, fala-se mais do que nunca de uma possível destituição (impeachment) de Donald Trump, no seguimento do escândalo surgido de Trump ter alegadamente pedido ao presidente ucraniano para investigar o filho de um opositor político, Joe Biden (VP durante os mandatos de B. Obama). 

Para além dos milhares de artigos, posts, tweets que se têm escritos sobre a actual presidência norte-americana, houve alguns livros a serem publicados, e dois dos que causaram mais sururu foram escritos por Michael Wolff. 

Em Siege: Trump under fire, são descritas várias situações que terão ocorrido entre o início do segundo ano da presidência de Donald Trump e a entrega do relatório de Mueller, em Março deste ano. A viagem aos bastidores da Casa Branca lê-se como um folhetim, descrevendo Trump como um narcisista com um défice de atenção gritante e um grau de inteligência abaixo do expectável de um homem na sua posição.

Há passagens arrepiantes e outras caricatas, um sentimento de incredulidade que nos força a pousar o livro de lado de vez em quando, mas a curiosidade vence sempre - estamos a falar de um dos homens mais poderosos do mundo, nomeadamente o homem que tem os códigos do arsenal nuclear mais portentoso do mundo ocidental. Homem esse que é descrito como tendo a mentalidade de uma criança de doze anos, que dá alcunhas ao seu pessoal de acordo com a aparência física de cada um (baixo, gordo, tem um bigode «ridículo») e tenta seduzir qualquer mulher atraente que entre no seu campo de visão.

Alegadamente, ex-colaboradores e outras fontes «fidedignas» contaram/confirmaram ao autor tudo o que é narrado no livro, por isso quando lemos sobre Trump, de pijama, a jantar o habitual cheeseburger na suite presidencial enquanto palra ao telefone non-stop sobre assuntos de Estado com amigos e conhecidos, ou sobre os seus comentários pouco felizes em reuniões e grupos de trabalho, a imagem de um fanfarrão vaidoso e cheio de si  que se forma é supostamente a realidade.

Página após página, conhecemos pormenores sobre o caso Jamal Kashoggi, o poder de Bannon, a visita de Trump ao Reino Unido, a sua relação com a família, o nepotismo reinante na Casa Branca (onde a filha e o genro do Presidente são especialmente visados), num desfile incrível de histórias caricatas e bizarras.

Perguntei-me várias vezes se isto poderia ser verdade, e alguns jornalistas que leram o livro escreveram artigos - disponíveis online - onde descrevem que a maioria do que é dito teria sido corroborado por fontes independentes (vale o que vale). Muito triste.

O contéudo de Siege: Trump under fire parece, por vezes, ser mau demais para ser real. Que o candidato que defendia a construção de um muro na fronteira dos EUA com o México para impedir a imigração ilegal, e que, pautando as suas ideias com um discurso racista, tenha ganho já parecia material saído de uma série de televisão ou de um livro sobre uma realidade distópica, mas ler sobre a inaptidão gritante de Trump ao leme de um dos países mais poderosos do mundo sem qualquer ensejo de saber mais, de se aperfeiçoar, é estar a assistir de cadeirinha ao fim da democracia como a conhecemos. Paralelamente, surge o homem de negócios habituado a explorar qualquer vantagem que surja, teoricamente com um aparelho estatal ao seu serviço para o fazer. 

Aguardam-se novos episódios em breve, o mais tardar em 2020. Entretanto, o autor deste livro - na lista dos bestsellers semanas consecutivas - já assegurou uma reforma dourada; é o american dream.
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(mediano/razoável)