domingo, agosto 18, 2019

Headscarves and hymens: why the Middle East needs a sexual revolution


Autor: Mona Eltahawy
Género: Religião; Sociedade
Idioma: Inglês
Páginas: 240
Editora: Farrar, Straus and Giroux
Ano: 2015
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«The most subversive thing a woman can do is talk about her life as if it really matters.»
Desde a adolescência que leio relatos pessoais de mulheres que tiveram o infortúnio de nascer e crescer em sociedades opressivas: a série Sultana (Ed. Asa),  Blasfémia, Queimada vivaFlor do deserto. 

Esta é mais uma leitura desse género. Numa compilação de horrores, a autora, uma jornalista egípcia com colaborações com o New York Times, Washington Post e Miami Herald, relata várias situações que ocorrem no Médio Oriente e norte de África - Iémen, Egipto, Arábia Saudita -, com várias notas referentes aos regimes legais em vigor que fragilizam a condição feminina e onde a igualdade de género continua uma miragem.

«Why do those men hate us? They hate us because they need us, they fear us, they understand how much control it takes to keep us in line, to keep us good girls with our hymens intact until it’s time for them to fuck us into mothers who raise future generations of misogynists to forever fuel their patriarchy.»

Há várias organizações não-governamentais que se certificam que nada permanece oculto e isso faz a diferença no mundo global em que vivemos e numa era em que através das redes sociais se podem denunciar situações bárbaras e inumanas mas sem seguimento nada muda - os aparelhos políticos destes países são dominados por homens, incluindo líderes religiosos que alimentam o temor divino, e as mulheres que chegam ao poder são silenciadas ou empossadas para fazer número.
 
O mundo ocidental, mantendo os seus interesses nesses países - a nível de recursos energéticos -, nada acrescenta à narrativa, as visitas diplomáticas pontuadas por frases vazias e indiferentes ao sofrimento de milhões de mulheres e raparigas.
«The battles over women's bodies can be won only by a revolution of the mind
O Médio Oriente precisa de uma revolução sexual? Há décadas. A obsessão com a virgindade feminina e os vários tabus associados com a imagem imaculada que associam ao sexo feminino agrilhoam metade da população destes países, onde os códigos penais preenchem as lacunas recorrendo ao Corão, originando aberrações como o facto de um violador poder ser ilibado se aceitar casar com a vítima, o que acontece em mais de 90% dos casos reportados e consequentemente julgados. Digno da Quinta dimensão.

A autora conta-nos ainda a sua luta pessoal em aceitar o seu corpo, o uso do véu, a descoberta de como expressar a sua sexualidade, acrescentando testemunhos de outras mulheres recolhidos em grupos de apoio e fóruns organizados por associações de defesa dos direitos das mulheres ao longo dos anos. 

Mona Eltahawy é uma escritora e jornalista que vive no Egipto e nos EUA, onde adquiriu a cidadania em 2011. O seu activismo centra-se em denunciar a misoginia e descriminação das mulheres no mundo árabe, descrevendo-se como uma «muçulmana feminista radical». Participante activa do movimento Mosque Me Too (#mosquemetoo), que denuncia o abuso sexual sofrido pelas muçulmanas durante o Haji - a peregrinação a Meca -, relatou a sua própria experiência de assédio quando tinha 15 anos; é bastante activa nas redes sociais, dando voz a milhares de mulheres.

«The god of virginity is popular in the Arab world. It doesn’t matter if you’re a person of faith or an atheist, Muslim or Christian—everybody worships the god of virginity. Everything possible is done to keep the hymen—that most fragile foundation upon which the god of virginity sits—intact. At the altar of the god of virginity, we sacrifice not only our girls’ bodily integrity and right to pleasure but also their right to justice in the face of sexual violation. Sometimes we even sacrifice their lives: in the name of “honor,” some families murder their daughters to keep the god of virginity appeased. When that happens, it leaves one vulnerable to the wonderful temptation of imagining a world where girls and women are more than hymens.»

Headscarves and hymens: why the Middle East needs a sexual revolution é uma leitura dolorosa. Ser mulher em qualquer época é um desafio mas nascer num destes países é definitivamente ser vítima de um karma tramado. Fechamos o livro com o coração pesado mas com vontade de fazer alguma coisa; pode ser um simples donativo às várias ONG envolvidas na luta, voluntariado ou promoção de eventos. Pode ser comprar este livro e fazê-lo circular ou oferecê-lo a um amigo ou amiga. Há que manter a mensagem viva e dar voz às mulheres que ainda são tratadas como cidadãos de 2.ª classe ou como coisas.

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(muito bom)

domingo, agosto 04, 2019

I’ll Be Gone in the Dark - one woman’s obsessive search for the Golden State Killer




Autor: Michelle McNamara
Género: True crime
Idioma: Inglês
Duração: 10h e 13m
Editora: HarperAudio (Audible)
Ano: 2018
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Nunca tinha ouvido falar de Michelle McNamara.

Jornalista e escritora do género true crime (relatos verídicos de crimes investigados pelas autoridades), falecida em 2016 durante o sono, foi casada com o actor/comediante Patton Oswalt.

Nas próprias palavras da autora, desde a adolescência que era obcecada por histórias de crime; há alguns anos que mantinha um blog acerca de casos arquivados, com uma vasta comunidade de detectives amadores (armchair sleuths) e uma extensa troca de comentários. Foi aí que nasceu a ideia de pegar na compilação exaustiva de informação que acumulara e escrever este livro sobre os crimes do East Area Rapist/Original Night Stalker (EAR/ONS), um violador e assassino em série activo nas décadas de 70 e 80 - McNamara “rebaptizou-o” como Golden State Killer (GSK).

Ao longo dos vários capítulos, vai sendo descrito o modus operandi do criminoso, e como passou do furto ao roubo com violação, até ao homicídio premeditado de casais, com vários sinais de violência, numa escalada sombria de violência e crueldade que sempre confundiu as autoridades policiais – o indivíduo atacou em estados diferentes dos EUA durante períodos distintos.

I’ll Be Gone in the Dark é o trabalho de uma vida: um livro pesado, repleto de pormenores macabros e cronologias desafiantes. McNamara fez um trabalho de pesquisa exaustivo (o subtítulo é mais do que apropriado) e o livro foi terminado postumamente recorrendo aos arquivos minuciosos da autora e a capítulos parcialmente iniciados; foi publicado no início de 2018. 

Não sendo o meu género de eleição, foi uma excelente incursão pelo true crime. O formato audiolivro (Audible) foi uma boa aposta e ajudou a expandir o vocabulário forense em inglês.

Uma nota para o capítulo final: soberbo. 

O epílogo, narrado pelo viúvo, Oswalt, confirma o carácter de Michelle e a sua devoção pelo tema, movida pela paixão de que se fizesse luz sobre este mistério. 

Em 2018, dois meses após a publicação do livro, foi detido um suspeito, o qual foi posteriormente acusado de alguns crimes de homicídio (os de violação já prescreveram) atribuídos ao EAR/ONS ou GSK. É arrepiante ver como o perfil traçado pelas equipas de investigação envolvidas – e compilado pela autora - encaixa que nem uma luva: ex-militar, ex-polícia, conhecimentos de procedimentos e investigação criminal, residente nas áreas afectadas. Curiosamente, as autoridade anunciaram que a captura do suspeito não teve qualquer relação com a saída do livro - uma afirmação infeliz e em que pouca gente deve acreditar.

Esperemos que a justiça (possível) seja feita.

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(muito bom)