Quando Ring shout me foi recomendado, não
reconheci o nome do autor, P. Djèli Clark.
Mas quando
vi a capa… a capa espectacular! e li a sinopse, não foi preciso mais nada para me convencer a comprá-lo.
O ano é 1920. O lugar é Macon, na Geórgia
americana.
Uma força maligna ameaça dominar a América.
Três jovens mulheres – Maryse, Sadie e Cordelia – não têm mãos a medir, entre o
contrabando de whisky em plena Lei Seca, e a luta contra os "ku kluxes", criaturas sanguinárias que
semeiam a destruição à sua passagem.
Todos os membros do Ku Klux Klan (KKK),
devido à quantidade de ódio e intolerância em si, possuem o potencial para se
transformar em "ku kluxes". De onde vem esta magia negra?
Vem da premissa (bastante original!) de que
realizador D.W. Griffith é um bruxo e o seu filme O
nascimento de uma nação - uma fita de 1915 de grande sucesso comercial que retrata
os afro-americanos como irracionais e o KKK como uma força heróica -, é um
feitiço que se alimenta da energia sombria da América, canalizando-a para os «homens-demónio
em trajes brancos».
As forças que querem conquistar o mundo
aproveitam-se do facto de o KKK estar no auge do seu poder e estatuto para se espalharem. E têm de ser derrotadas antes que dominem a nação.
Pessoalmente, achei a ideia muito
interessante. A execução pelo autor foi impecável.
Ring shout, que aparece em algumas edições com o título alternativo Ring shout or Hunting ku kluxes in the end times, arrecadou
os prémios Nebula, Locus e British Fantasy Awards quando saiu.
Apesar de ser uma história condensada em
menos de duzentas páginas, há muita coisa a acontecer o tempo todo. A acção é rica e
colorida, as personagens
são complexas e o local é uma Macon alternativa cheia de pormenores e locais reais, misturados com mitos e ficção.
Apesar de Ring shout estar primeiramente classificado como terror, é um mix
muito bem doseado de terror e fantasia urbana. Clark terá começado a esboçar a
ideia para a história em 2015, baseando-se na diáspora africana, na cultura Gullah e no controverso
filme de D.W. Griffith.
Há uns anos, eu costumava ler mais fantasia
urbana (as séries de Sookie Stackhouse e de Mercy Thompson são aquelas que mais
gostei e das quais guardo boas memórias) e foi muito bom revisitar o género.
Gostei bastante do trio de protagonistas,
mulheres negras independentes, que se apoiam e entreajudam, numa relação de
amizade sólida fortalecida por um inimigo comum. Adorei o uso do folclore local, assim como os pormenores sobrenaturais e de magia: os "night doctors", as "aunties", as mezinhas de Nana Jean.
A ideia das criaturas é genial: os "ku kluxes"
vivem escondidos dentro de algumas pessoas, só sendo vistos por aqueles que
possuem "a visão”. Quando mortos, transformam-se em cinza e desfazem-se sem deixar
rasto. Juntando isto ao terror que o KKK espalhou durante os anos de
actividade, é difícil pensar em algo mais terrível para a comunidade negra
norte-americana.
P. Djèli Clark é o pseudónimo de Dexter
Gabriel, um professor doutorado em História. Como autor, já recebeu
inúmeros prémios e nomeações dentro da ficção especulativa.
O título Ring shout
refere-se ao ritual religioso, praticado pela primeira vez por escravos
africanos nas Índias Ocidentais e nos Estados Unidos, no qual os fiéis se movem
em círculo enquanto arrastam os pés e batem palmas, por vezes gritando num semi-transe.
Há uma forma mais moderna do ritual, a “pausa para louvar”, praticada
em muitas igrejas negras e/ou pentecostais nos dias de hoje.
A leitura deste livro foi um prazer. Espero que seja traduzido em Portugal; no Brasil, foi publicado como Ring shout: grito de liberdade.