sábado, agosto 29, 2020

A estranha morte da Europa: imigração, identidade, religião

 
Autor: Douglas Murray
Género: Política, Comentário Social
Idioma: Português
Páginas: 352
Editora: Desassossego
Ano: 2018
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Depois de ler The madness of crowds, fiquei fã de Douglas Murray. Quer se subscrevam as suas ideias parcial ou totalmente, ou de todo, a sua capacidade de analisar temas pertinentes num contexto global e societal é admirável.

Murray é neoconservador, homossexual e ateu. Há vários anos que é alvo de ameças de morte devido às suas opiniões, nomeadamente sobre política externa e o Islão, dois dos seus temas de eleição (tem vários outros). 


Sendo um crítico frequente do Islão e dos muçulmanos, «muitos dos quais alimentam um "fundamentalismo maligno", baseado numa mentalidade medieval», vê o relativismo cultural como uma exacerbação do problema. Classifica "islamofobia" como uma expressão sem sentido, pois crê que há um número considerável de razões para se temer vários aspectos e versões do Islão. 

Após o tiroteio no jornal Charlie Hebdo, em 2015, foi aconselhado - à semelhança de outros intelectuais e políticos que fizeram comentários críticos ao Islão - a não aparecer em público.

A estranha morte da Europa saiu em 2017, e será seguro deduzir que terá sido uma leitura da situação negra que se vivia na Europa de então, com polícias e militares armados a patrulharem várias cidades europeia na sequência de vários atentados terroristas em Paris, Nice, Londres, Copenhaga, Berlim, Hannover e Bruxelas.

Douglas Murray mantém o mesmo tom do início ao fim do livro: a Europa está a morrer, com a cultura europeia «assassinada» por hordas de imigrantes muçulmanos, auxiliados na sua missão por (cobardes) políticos liberais. 
Segundo Murray, políticas de imigração frouxas abriram as portas para migrantes económicos (não confundir com refugiados, estes sim candidatos elegíveis para asilo) e aqueles empenhados em cometer crimes de agressão física e sexual e homicídio em massa. Enquanto isso, os europeus, exaustos da sua própria história e desgastados pelo declínio crescente da fé cristã, são lentamente substituídos por uma população de estrangeiros implacavelmente hostil e anti-integração. O livro foca-se quase exclusivamente no impacto da imigração na cultura europeia, não na sua economia, fazendo uns apontamentos (poucos) ao custo dos migrantes ao Estado-providência do país em que escolhem fixar-se (maioritariamente Alemanha e península escandinava).
 

Citando censos demográficos, notícias e entrevistas em campos de refugiados, a Europa de Murray é nada menos do que apocalíptica. Ao longo de mais de 300 páginas, há uma litania de crimes cometidos por imigrantes, requerentes de asilo e refugiados, entre considerações várias sobre a evolução histórico-social da Europa versus a da África (Norte) e Ásia (Médio Oriente). A extensa lista ilustra uma crise gigantesca e contínua que alguns países europeus evocam actualmente para controlar as suas fronteiras e estreitar a sua política externa (Hungria, Polónia, Itália), algo que os EUA têm vindo a praticar há umas décadas e que foi um dos temas-chave da campanha de Trump.

É um livro duro de ler e difícil de digerir, sobretudo para quem tem uma visão globalista/liberal/inclusiva. Ver uma compilação tão crua, que remete para segmentos que todos lemos ou vimos nos media, levanta, no mínimo, questões vitais e apura-nos o ouvido, confirmando nos discursos políticos toda a falta de clareza e demagogia que Murray alerta aqui quando o tema é a imigração em massa e/ou a crise dos refugiados. 
Claro que os políticos, estejam onde estiverem e independentemente da nacionalidade, nunca poderão ter uma experiência parecida com a do cidadão comum, confrontado quotidianamente com a «ameaça ao seu estilo de vida». Um livro indispensável nos dias de hoje, e a ser lido com filtro - como todos os livros políticos.

A estranha morte da Europa poderá - deverá - dar origem a uma discussão alargada sobre imigração, identidade e religião, temas demasiado vastos para condensar num livro tão mono-temático. Claro que a Europa deve acolher refugiados, não escancarar as portas às hordas de migrantes económicos que buscam um estado social que não existe nos seus países de origem e sem qualquer interesse de assimilação. Claro que quotas têm de ser criadas pois as economias não são elásticas, mesmo as dos países mais ricos. Óbvio que tem que se fazer uma leitura dos atentados terroristas dos últimos anos com frontalidade e sem preocupação com o "politicamente correcto" e em magoar a sensibilidade religiosa muçulmana, se o que se passa é em terrirório europeu, não em Damasco, Bagdade ou Cabul. 

Há que ter orgulho pelo muito que a Europa passou para, devagar, alcançar as liberdades que existem hoje, liberdades essas que devem ser usufruídas por todos plenamente, não customisadas porque vão contra faccções religiosas que se recusam a uma reforma aos dias de hoje; devemos isso aos nossos antepassados (excerto do livro a ler aqui - via wook).

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(muito bom)

segunda-feira, agosto 10, 2020

Mexican gothic


Autor: Silvia Moreno-Garcia
Género: Romance Gótico, Terror
Idioma: Inglês
Páginas: 320
Editora: Del Rey (Kindle)
Ano: 2020
  
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Há séculos que não lia um autor mexicano, gosto da temática gótica e achei a capa encantadora - comprei assim que acabei de ler o excerto disponível na Amazon.
 
A acção de Mexican Gothic passa-se no México dos anos 50. A protagonista é Noemí Taboada, uma jovem socialite que beneficia de todas as vantagens que a beleza e a riqueza da família lhe permitem usufruir. É esperado que aproveite as coisas boas da vida e arranje um marido à sua altura.

Uma noite, o pai de Noemí chama-a mais cedo de uma das muitas festas que frequenta. A razão prende-se com a chegada de uma carta da prima Catalina, casada recentemente com um inglês, Virgil Doyle. A carta deixou o pai de Noemí inquieto, e a jovem deverá viajar até High Place, uma mansão situada no meio das montanhas, longe dos prazeres cosmopolitas, para ver o estado de espírito de Catalina e fazer-lhe companhia.

Noemí chega assim a High Place: imponente, sombria, decrépita. A combinar com a mansão está a nova família da prima, pertencente à velha nobreza britânica, cuja riqueza foi amealhada através da exploração das minas de prata que no passado, puseram a pequena cidade de El Triunfo no mapa.
 
Faz anos que as minas fecharam, a cidade é cinzenta, a anos-luz da Cidade do México. Apesar disso, Noemí continua a usar as suas roupas da moda, a desfiar o seu repertório citadino e espevitado, recusando-se a ser intimidada pelos Doyle e pelo mofo do seu quotidiano. De frios olhos azuis e baça pele clara, a família não acolhe bem Miss Taboada. O  marido de Catalina minimiza o estado de saúde da esposa e a preocupação de Noemí. O patriarca é um velho arrepiante e inadequado nos comentários. A irmã mais velha age como uma governanta autoritária e o filho Francis é uma sombra, pouco ou nada falando.

Então começam os sonhos. Noemí começa a tê-los todas as noites e os sonhos ficam cada vez mais perturbantes e ameaçadores. O dilema entre ficar ou partir instala-se e é impossível de ignorar, agudizado pela hostilidade dos Doyle - Francis parece ser o único capaz de ser gentil e educado. Quando Noemí começa a ter alucinações, é a gota de água. Decide partir com Catalina, mas não será uma tarefa fácil.
“This house is sick with rot, stinks of decay, brims with every single evil and cruel sentiment.”
Mexican Gothic é incrivelmente atmosférico. A escrita de Silvia Moreno-Garcia é vívida e cria sem dificuldade um ambiente claustrofóbico. As características do estilo gótico estão todos lá: a bruma, a mansão bafienta, a iluminação à luz de velas e uma atmosfera erótica, mas o folclore mexicano traz frescura a um género dominado pela simbologia dos Ingleses no século XVIII (A. Radcliffe, H. Walpole, M.G. Lewis).
 
Menos bem conseguido é a ausência de cultura mexicana e o feeling dos anos 50. Apesar da acção se passar no México, a história é quase exclusivamente passada em High Place, com arquitectura e costumes ingleses. Os Doyle e Catalina são personagens unidimensionais.

A história demora o seu tempo a desenvolver, em "crescendo" atmosférico até cerca de 70% do livro (o Kindle não falha na precisão). Noemí Taboada é uma protagonista forte e desenvolta, por quem torcemos até ao final.
 
Dentro do género, Mexican Gothic foi uma óptima descoberta.

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(bom)

quarta-feira, agosto 05, 2020

Barbarians: how the baby boomers, immigration, and islam screwed my generation


Autor: Lauren Southern
Género: Comentário Social
Idioma: Inglês
Páginas: 90
Editora: CreateSpace Publishing (Kindle)
Ano: 2016
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Pela Amazon, consigo “requisitar” livros para o meu Kindle (via Prime Reading), que funciona como a requisição de livros numa biblioteca. De tempos a tempos, vejo que títulos estão disponíveis, privilegiando novos autores e temas que não são os meus predilectos, como os políticos.

Barbarians é uma leitura rápida que condensa conteúdo que daria para um livro com o triplo do número de páginas. Lauren Southern, a autora, é uma vlogger e activista política de origem canadiana. É uma nacionalista conservadora anti-multicultarismo. Nunca tinha ouvido falar dela.

O livro tem um início estruturado. O primeiro capítulo intitula-se “The West is Dying” e critica o niilismo da sociedade moderna, a busca pela gratificação imediata e a obsessão com o sexo. A autora argumenta ainda que há uma falta de valorização da cultura ocidental e culpa o sistema educativo actual, que exalta os valores orientais em detrimento dos ocidentais.

«I was taught that war, when conducted by communists, terrorists and agitators, is peace. That freedom, when exercised by cishet [cisgender heterosexual] men is slavery. And most horribly, that ignorance is strength.»

Pouco depois, Lauren Southern começa a "disparar" em todas as direcções, comentando sobre a imigração em massa e a economia, ligando-os ao multiculturalismo, uma combinação que critica duramente:

«Unchecked immigration by low-skilled workers attacks the economy from two directions: first, the number of shiftless immigrants grows the welfare state at the expense of the private sector. Second, even those who work hard siphon money out of our domestic economy and send it back to their own countries, which boosts those countries at our expense.»

Seguem-se mais comentários sem um fio condutor, considerações sobre globalismo, como solucionar o problema da imigração em massa, a perda de soberania do ocidente e da liberdade de expressão, incentivando as gerações mais jovens a inserirem-se e a modificarem o contexto político actual.

O conteúdo e as ideias são de direita, com uma retórica incendiária. Não há lugar a subtileza. Depois da argúcia, classe e raciocínio de autores como Douglas Murray, Barbarians assemelha-se a um folheto escrito às três pancadas.

Apesar de ter aparecido como recomendação de leitura, desta vez o algoritmo da Amazon não esteve bem.

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(fraco)