21 de fevereiro de 2024

A pediatra

  


Autor: Andréa del Fuego

Género: Romance

Idioma: Português (Brasil)

Páginas: 208

Editora: Companhia das Letras (Kindle)

Ano: 2022

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À data deste apontamento, A pediatra é o mais recente título publicado de Andréa del Fuego, pseudónimo de Andréa Fátima dos Santos, escritora brasileira cujo primeiro romance, Os Malaquias, de 2010, venceu o Prémio Literário José Saramago.

A pediatra foi finalista de dois prémios literários.

Cecília, a protagonista, é uma especialista sem vocação (detesta crianças).

Prestes a divorciar-se de um marido deprimido para o qual não tem paciência, rapidamente percebemos que é uma mulher solitária e insolente para com os próximos, a quem manipula e de quem tem uma visão cruel. Aos restantes, apresenta uma postura competente mas distante.

Isto chamou-me a atenção na sinopse do livro. Seria esta personagem fora do padrão habitual capaz de me manter envolvida na história?

É a segunda protagonista antipática que “apanho” num curto espaço de tempo; a outra foi Leda de The lost daughter, de Elena Ferrante.

Cecília é uma vilã sem clichés, com um humor sarcástico e comentários certeiros, inteligente e cheia de recursos. A sua honestidade, por vezes, resvala para a insensatez.

Pediatra com uma abordagem mecânica e desligada (quando os pacientes sofrem de algo que exija mais atenção, rapidamente os envia a um colega), sente-se preterida por um pediatra adepto do “parto humanizado”, que decide investigar e sabotar - estes capítulos são dos melhores do livro.

Paralelamente, desenvolve um apego ao filho do amante, que ajudou a trazer ao mundo. Surpreendida pelo afecto que sente pelo menino, Cecília sente-se mudar por amor a uma criança que não pariu, o que vai agitar a sua rotina.

Escrito em Português do Brasil, há algumas expressões que necessitam de uma espreitadela a um dicionário online, mas nada de mais.

A escrita é diferente, quase sem parágrafos nem travessões para indicar diálogos ou pensamentos. Também se entranha ao fim de umas páginas.

«Atendi os pacientes sem presença. A vantagem da medicina é poder ser quem quiser, santa, desonesta, anarquista, patriota, bipolar, batista ou ateia, penso e sinto o que eu quiser com estetoscópio no pescoço, quem trata não sou eu, é o protocolo, apenas seguir o roteiro da observação clínica, os casos são mais ou menos os mesmos.»

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(muito bom)

4 de fevereiro de 2024

As minhas aventuras no país dos sovietes

 

Autor: José Milhazes
Género: Biografia, Política

Idioma: Português

Páginas: 352

Editora: Oficina do Livro

Ano: 2017

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José Milhazes é jornalista, escritor e tradutor, assim como comentador político.

Natural da Póvoa de Varzim, originário de uma humilde família de pescadores, ruma, em 1977, à União Soviética (o «Paraíso») para se licenciar em História da Rússia e «assistir à construção do comunismo».

«Éramos cerca de 15 bolseiros portugueses que iam estudar para a União Soviética através do PCP, da UEC, da Associação de Amizade Portugal-URSS e da Intersindical.»

Licencia-se em 1983, constitui família (a esposa é estónia) e fica a residir na URSS.

Com o passar dos anos, torna-se correspondente do jornal Público em Moscovo. Em 2002, começa a colaborar com a SIC. Acumula as actividades jornalísticas com a tradução de obras literárias e políticas.

Ao longo das décadas como residente no país, vê a URSS dar lugar à Rússia, assistindo à ascensão, e queda, de vários políticos, assim como ao colapso da "cortina de ferro" e à formação de novos Estados no Leste europeu.

Em 2013 é distinguido com a Ordem do Mérito da República Portuguesa. Regressa a Portugal em 2015.

Em As minhas aventuras no país dos sovietes, tudo isto é contado ao leitor de uma forma mais ou menos cronológica, com vários apontamentos de situações vividas pelo autor: na universidade, no hospital (onde fica internado 9 meses, na altura em que era estudante), em órgãos políticos, na comunidade de estrangeiros onde se insere, no quotidiano. Algumas pessoas são nomeadas, outras não.

O tom é franco e directo, o tom de alguém que viu muita coisa e não tem peias em fazer apreciações pessoais. A meio da narrativa, há a menção a várias anedotas soviéticas que circulavam, o que permite perceber como o povo via a máquina estatal que os (des)governava.

Tive pena que José Milhazes não aprofundasse mais algumas situações, muitas vezes narradas en passant. Estará a reservar a informação para uma biografia mais extensa?

Gostei bastante, As minhas aventuras no país dos sovietes é uma leitura interessante sobre um percurso ainda mais interessante, e as páginas passam a bom ritmo. Conto ler outros livros do autor.

NOTA: os sovietes eram conselhos políticos formados pelas classes mais populares, que lutavam pela reforma agrária e direitos trabalhistas – o termo é a tradução russa para “conselho”, em português.

«Brejnev e Reagan decidem fazer uma corrida. Reagan vence. Os jornais americanos escrevem: “Reagan venceu, Brejnev foi derrotado.” Os jornais soviéticos informam: “Brejnev chegou em segundo lugar e Reagan em penúltimo.” (anedota soviética)»

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(muito bom)