Autor: Michel Houellebecq
Género: Contemporâneo
Idioma: Português
Páginas: 280
Editora: Alfaguara Portugal
Ano: 2021
Título original: Sérotonine
Tradução: Valério Romão
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Depois de Submissão (ler o meu apontamento aqui), esta é a minha segunda incursão pela obra do enfant terrible da literatura contemporânea francesa.
A história de Serotonina segue Florent-Claude Labrouste, de 46 anos, funcionário do Ministério da Agricultura.
Florent-Claude está deprimido: a relação com a namorada está nas últimas, crê a França à beira do precipício económico e social, acha o seu trabalho irrelevante, a sua vida é um beco sem saída.
Assim, deixa a namorada, despede-se, vende o apartamento, muda-se para um quarto de hotel minúsculo. Passa os dias a petiscar e, principalmente, a beber e a fumar. Começa também a tomar um anti-depressivo que liberta serotonina e que lhe permite “aguentar” o dia-a-dia.
É a partir desta ruptura radical com a rotina que Florent-Claude começa a recordar o passado, as suas aspirações e ideais enquanto jovem, as relações amorosas e de amizade. Olha para trás com ferocidade e acidez; sente-se extremamente desiludido.
Ler Michel Houellebecq não é ler com um sorriso nos lábios, embora o humor sarcástico (presente nas descrições de alguns cenários e/ou personagens) nos faça soltar uma boa gargalhada, ainda que ocasionalmente.
Gostei do livro, e começo a reconhecer o que me agrada no tom e estilo de Houellebecq, nomeadamente o domínio da linguagem (e aqui saúdo o tradutor V. Romão, pois também tive acesso ao livro em francês, e achei várias passagens excelentemente traduzidas), o tom de crónica que utiliza e a sensação de incómodo e de irreverência que evoca com as suas palavras.
Só posso, de momento, compará-lo com Submissão, e são igualmente bons, embora prefira aquele. Em ambos há uma visão muito negra da sociedade e das relações humanas, visão com a qual não concordo inteiramente. Há várias passagens com considerações sobre a sexualidade e as mulheres que soam bacocas, como se os protagonistas de Houellebecq não conseguissem passar muito tempo sem falar sobre corpos, e sexo, e pénis e vaginas.
Embora alguns capítulos se tenham arrastado, Serotonina tem parágrafos excelentes sobre os escritores Thomas Mann e Marcel Proust, assim como aqueles sobre os fictícios Dr. Azote, com quem o narrador se consulta frequentemente, e Aymeric, o amigo da faculdade de Florent-Claude, um aristocrata que se dedicou à agricultura – uma oportunidade muito bem explorada pelo escritor para falar sobre a morte lenta da França rural.
Serotonina é uma leitura vagarosa,
com um narrador derrotista que se repete na sua visão negra do
mundo. Mas é suficientemente interessante, corrosivo, e bem escrito – sem
dúvida! –, para retomarmos a leitura uma e outra vez, até chegarmos ao fim.
«Pensava então no Dr. Azote, se aquele homem se comportava da mesma forma com todos os doentes, porque, se sim, era um santo, e pensava no Aymeric, mas as coisas haviam mudado, tinha de facto envelhecido, não ia convidar o Dr. Azote para ouvir discos na minha casa, não nasceria qualquer amizade entre nós, o tempo das relações humanas caducara, em todo o caso para mim.»
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(bom)