2 de agosto de 2025

A noite do Professor Andersen

  


Autor: Dag Solstad
Género: Contemporâneo
Idioma: Português
Páginas: 160
Editora: Cavalo de Ferro
Ano: 2018
Título original: Professor Andersens natt 
Tradução: João Reis
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Dag Solstad nasceu em 1941, na cidade costeira de Sandefjord. É um dos escritores noruegueses mais conceituados.

À data deste apontamento, Solstad faleceu há cinco meses, com 83 anos; este é o primeiro livro que leio dele.

Gosto de policiais e de mistérios, e a sinopse d’A noite do Professor Andersen descreve um thriller com contornos hitchcockianos, o que me interessaria.  Mas não me lembro de alguma vez ter folheado nada deste autor, e não fosse este livro ter sido o mais votado no clube de leitura a que pertenço, não sei se o teria lido.

Mas vamos ao que importa: em Oslo, na noite de consoada, Pal Andersen, professor de literatura especializado na obra de Henrik Ibsen – considerado por alguns críticos como o maior dramaturgo desde Shakespeare; escreveu, entre outras peças, Peer Gynt e Hedda Gabler  –, testemunha, da janela do seu apartamento, uma mulher a ser estrangulada no prédio em frente.

O professor, de 55 anos, é divorciado e vive sozinho. Apesar de surpreso, a sua reacção é não fazer nada. Não telefona para a polícia nem comenta o que viu com ninguém.

Os dias passam e o professor sente-se cada vez mais paralisado pela sua indecisão. Retoma os planos de visitar alguns amigos, mas volta sempre ao que assistiu, e à sua apatia.

Este silêncio torna-se o centro do romance. Andersen é inerte, e a espiral de introspecção, culpa e reflexão sobre o sentido da vida e os códigos morais da sociedade moderna, não mudam isso. Ele vê-se como um intelectual moderno: culto, informado, sem coragem para agir.

E quando vê novamente o assassino, num restaurante, surpreende-se como este é um homem banal, "normal".

Para alguns leitores, o autismo social de Pal Andersen será um motivo para abandonar a leitura após alguns capítulos – este é um homem solitário, sem laços afectivos e com amizades superficiais. A escrita foca-se no estado mental do protagonista, e muito menos na acção. E estarmos dentro da cabeça dele resulta numa leitura desconfortável.

A noite do Professor Andersen pode ser lido como um retrato (sombrio) da decadência moral da sociedade moderna.

A escolha deste livro resultou numa discussão apaixonante. Alguns membros do clube interromperam a leitura de vez porque viram o protagonista como alguém desprezível a quem não queriam dar atenção, mas as questões que o livro levanta são valiosas

«”Tenho de telefonar à polícia”, pensou. Encaminhou-se para o telefone, mas não lhe tocou. “ Foi um homicídio, tenho de ligar à polícia”, pensou, mas continuou a não pegar no aparelho. (…) “Que devo dizer? Que vi um homicídio? Sim, é o que devo dizer. E então vão rir-se de mim e dizer-me para me ir deitar, e voltar a ligar quando estiver sóbrio”(…)»

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(bom)

17 de julho de 2025

A Ilha das Árvores Desaparecidas

 


Autor: Elif Shafak
Género: Romance, Contemporâneo
Idioma: Português
Páginas: 376
Editora: Editorial Presença
Ano: 2022
Título original: The island of missing trees
Tradução: Maria de Fátima Carmo

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Este é o terceiro livro que leio de Elif Shafak, autora turco-britânica, consagrada e multi-premiada, que descobri há cerca de dois anos.

A Ilha das Árvores Desaparecidas conta a história de um amor proibido, que começa no Chipre em 1974. Dois adolescentes encontram-se e apaixonam-se: ele grego e cristão, ela turca e muçulmana. 
 
No seu lugar secreto, cresce uma figueira, testemunha das conversas e dos encontros entre os jovens amantes. Esta árvore é uma das narradoras de vários capítulos do romance.

Outros capítulos passam-se na Londres dos nossos dias. Ada nunca conheceu a ilha do Chipre onde os pais nasceram. Toda a história da família está envolta em segredos e conflitos. A única coisa que a liga à terra dos pais é a figueira centenária que cresce no jardim da sua casa.

A Ilha das Árvores Desaparecidas tinha, na sua sinopse, tudo para resultar numa excelente leitura para mim. E, porém, não foi isso que aconteceu. 
 
Uma das partes mais originais foi a mais decepcionante. Quando a figueira narrava longos parágrafos sobre a natureza... tornou-se aborrecido. As passagens para os capítulos em Londres faziam uma quebra e eram (bastante) menos aliciantes em comparação com os do Chipre.
 
Gostei bastante de todos os pormenores históricos e de saber mais sobre a ocupação turca do norte da ilha cipriota, que dura desde 1963 até aos dias de hoje (!). Adorei seguir a história de amor principal (há outra, menos desenvolvida, e apaixonante também) impactada pela guerra civil. É evidente o trabalho de pesquisa e atenção ao pormenor por parte da escritora.
 
A escrita de Elif Shafak é poética e evocativa, com passagens muito belas e metáforas sublimes. O livro tem várias camadas e pormenores mas não conseguiu, infelizmente, manter o mesmo grau de interesse nas diferentes vozes que o compõem. 
«De qualquer modo, nunca tinha sido uma grande otimista. Devia estar-me no ADN. Descendia de uma longa linhagem de pessimistas. Por isso fiz o que fazia muitas vezes: comecei a imaginar todos os modos de as coisas poderem correr mal. E se este ano a primavera não chegasse e eu ficasse debaixo de terra... para sempre?»

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(bom)

25 de maio de 2025

Small Things Like These

 



Autor: Claire Keegan
Género:
Literatura contemporânea
Idioma: Inglês

Páginas: 116

Editora: Faber & Faber

Ano: 2021

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Claire Keegan (1968–) é uma autora irlandesa multipremiada, traduzida em 20 países e publicada em revistas como a 'Granta' e a 'The New Yorker'.

Descobri-a ao ler Walk the blue fields – ler o meu apontamento sobre o livro aqui –, que adorei; li ainda o breve, e impactante, So late in the dayidem.

Small Things Like These foi publicado em 2021 e ganhou o Prémio George Orwell de Ficção Política e foi finalista do Booker Prize em 2022 – nesse ano, o premiado foi o escritor Shehan Karunatilaka, com The Seven Moons of Maali Almeida.

O livro segue Bill Furlong, um comerciante de carvão e combustível na cidade irlandesa de New Ross, em 1985.

É a época de Natal e Bill desdobra-se para atender aos muitos pedidos da clientela, enquanto se prepara para celebrar as festas com a esposa e as cinco filhas.

Homem simples e estóico, Bill é confrontado com um cenário que o sobressalta durante uma entrega de carvão ao convento local, ao encontrar um grupo de jovens emaciadas trabalhando nas cozinhas, sendo que uma delas pede a sua ajuda para fugir e se ir afogar no rio. Outro episódio se segue no convento, o que faz com que Bill revisite as suas memórias e veja a religião, e outras coisas, de outra forma.

A mãe de Bill foi-o ainda adolescente, e tornando-se mãe solteira, foi ostracizada pela família de origem. Porém, a sua patroa da altura, a Sra. Wilson, manteve-a no serviço doméstico da sua casa, algo que Bill lembra com carinho e gratidão.

Small Things Like These foi descrito por um crítico como um anti-conto de Natal.

A narrativa, com pouco mais de cem páginas, possui uma profundidade e clareza desarmantes, que toca temas como a moralidade, a bondade e a miséria. Dá-nos ainda a conhecer o fenómeno dos “asilos/lavandarias de Madalena”, instituições religiosas que abrigavam “mulheres perdidas”, algo que a própria Claire Keegan desconhecia, e que, assistindo a uma reportagem com testemunhos de sobreviventes, a impeliu a escrever o livro.

Eu li Small Things Like These na língua original; a obra está traduzida em Portugal, pela Relógio D’Água, com o título Pequenas Coisas como Estas.

O livro foi adaptado ao cinema em 2024, com Cillian Murphy, Michelle Fairley e Emily Watson nos principais papéis. Conto ver o filme.

«It was a December of crows. People had never seen the likes of them, gathering in black batches on the outskirts of town then coming in, walking the streets, cocking their heads and perching, impudently, on whatever lookout post that took their fancy, scavenging for what was dead, or diving in mischief for anything that looked edible along the roads before roosting at night in the huge old trees around the convent.
The convent was a powerful-looking place on the hill at the far side of the river with black, wide-open gates and a host of tall, shining windows, facing the town.»

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(muito bom)